Por que Venezuela volta a enfrentar 'tempestade perfeita' na economia
24/04/2025
(Foto: Reprodução) Há uma 'tempestade perfeita' para a situação da Venezuela se deteriorar, segundo economistas: queda do preço do petróleo, saída das empresas estrangeiras, sanções dos EUA e instabilidade política A decisão dos EUA de revogar licenças de empresas multinacionais de operar na Venezuela tem causado estragos no país
Getty Images via BBC
Após três anos de crescimento, a economia da Venezuela volta a dar sinais de alerta.
O país caribenho está entrando novamente em um território já conhecido de hiperinflação, escassez de divisas estrangeiras e queda de produção petrolífera.
Em um relatório publicado no início de abril, economista e pesquisadores da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), uma das mais prestigiadas do país, preveem uma inflação superior a 200%, uma queda de 20% das exportações de hidrocarbonetos e uma retração econômica de 2,05% ao final de 2025.
LEIA TAMBÉM
Maduro assina decreto de 'emergência econômica' na Venezuela
Com tarifaço, Brasil pode ser grande destino de produtos chineses, mas precisará de preparo
Argentina de Milei: g1 mostra o que mudou na vida e na economia do país, um ano após o Plano Motosserra
"Está se formando uma tempestade perfeita", diz o economista venezuelano José Manuel Puente, professor de Economia do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA), em Caracas, e do IE, em Madri, que estima que a situação política do país e o resultado da controvertida eleição presidencial de 2024 estão tendo um impacto negativo na economia da Venezuela.
Puente afirma à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que era inevitável que os mercados e a economia fossem afetados após o CNE, o órgão eleitoral do país, anunciar um resultado eleitoral favorável a Nicolás Maduro sem o respaldo das atas. Isso colocou o resultado em dúvida por grande parte da comunidade internacional.
Além disso, a reforma constitucional preparada pelo governo também gerou medo nos mercados e assusta potenciais investidores.
"Somado a isso, os desequilíbrios da Venezuela nunca desapareceram. Foram geradas ilusões de harmonia, mas não houve um programa econômico de estabilização que consiga recuperar de maneira sustentada o crescimento a altas taxas, com baixa inflação e pleno abastecimento", acrescenta.
Donald Trump anuncia tarifa de 25% a países que comprarem petróleo da Venezuela
As perspectivas são tão sombrias que o presidente Nicolás Maduro decretou, no início deste mês, uma "emergência econômica" que seu governo atribui ao impacto que terão o endurecimento das sanções internacionais contra o país e a "guerra tarifária" de Donald Trump.
O decreto confere amplos poderes ao presidente para tomar medidas excepcionais.
Há mais de uma década, a Venezuela está imersa em uma crise multidimensional que fez o país perder 80% de seu PIB em oito anos consecutivos de recessão, entre 2014 e 2021.
A economia tem crescido desde então a uma taxa moderada, uma recuperação que alguns economistas atribuem a um "pequeno efeito rebote" que costuma ocorrer após uma queda econômica drástica e prolongada.
De acordo com os economistas, são quatro as principais razões que estão empurrando a Venezuela para o abismo econômico, além da instabilidade política.
Saída de petroleiras já afeta economia da Venezuela
Getty Images via BBC
1. Saída de petroleiras estrangeiras
Em 2022, o governo do ex-presidente dos Estados Unidos Joe Biden emitiu uma ordem que aliviou algumas das sanções que proibiam a maioria das empresas americanas de realizar transações com a PDVSA, a petroleira estatal venezuelana.
Graças a essa medida, várias petroleiras, incluindo a americana Chevron, puderam reiniciar operações na Venezuela no final de 2022. Isso contribuiu para que a economia voltasse a crescer.
O relaxamento das sanções foi derivado de um acordo entre Washington e Caracas, pelo qual o governo de Nicolás Maduro se comprometia a realizar eleições presidenciais livres e competitivas na Venezuela em 2024.
No entanto, em fevereiro deste ano, o novo presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que revogaria as licenças que permitiam às petroleira estrangeiras operar na Venezuela.
Ele acrescentou que sua decisão se devia, em parte, ao fato de o governo de Nicolás Maduro não ter cumprido com as garantias eleitorais estipuladas no acordo de 2022.
Mais recentemente, os EUA revogaram duas licenças que haviam sido concedidas às petroleiras britânicas Shell e British Petroleum (BP) para o desenvolvimento de projetos de gás natural entre Trinidad e Tobago e a Venezuela.
Os economistas afirmam que a revogação de licenças para empresas como a italiana Eni, a espanhola Repsol e, especialmente, a Chevron representa um golpe duro para a economia venezuelana.
De acordo com dados da consultoria econômica Ecoanalítica, de março deste ano, 85% das receitas da Venezuela em divisas vêm da produção petrolífera, e desse percentual cerca de 30% das receitas em dólares vêm da Chevron.
A mesma fonte afirma que a Chevron é responsável por 40% dos dólares que são disponibilizados ao setor privado com o objetivo de financiar importações.
Embora as empresas petrolíferas ainda não tenham concretizado sua saída do mercado venezuelano - a Chevron tem até o próximo dia 27 de maio para fazê-lo -, o iminente término de suas operações na Venezuela já está causando estragos.
"O mercado cambial está desfeito", aponta o economista José Manuel Puente.
Francisco Monaldi, diretor do programa latino-americano de energia do Instituto Baker da Universidade Rice, em Houston, nos EUA, disse à BBC Mundo que, após a saída das petroleiras internacionais, é provável que a PDVSA retome os campos petrolíferos, mas com dificuldades.
"Vai ser difícil investir e encontrar os diluentes necessários para processar o petróleo extrapesado da Venezuela que a Chevron estava importando dos EUA", explica.
2. Desvalorização do bolívar
En 2024, o bolívar se desvalorizou 30,9% frente ao dólar, mas, em quatro meses de 2025, essa cifra está quase superada
Getty Images via BBC
A moeda venezuelana, o bolívar, perdeu 24,6% de seu valor no mercado oficial em relação ao dólar no primeiro trimestre deste ano.
Sua desvalorização foi agravada pelo endurecimento das sanções impostas ao país pelo governo de Donald Trump.
Segundo dados do Banco Central da Venezuela (BCV), a cotação oficial nesta quarta-feira, 23 de abril, era de 82,38 bolívares por dólar, o que representa um aumento de 57,7% em comparação com o início de 2025, quando o dólar era cotado a 52,57 bolívares.
Por sua vez, o dólar no mercado paralelo chegou a 104 bolívares.
Essa grande diferença entre o dólar oficial e o paralelo evidencia a instabilidade cambial no país.
"Os venezuelanos já percebem que haverá uma escassez de dólares, e o governo está preocupado que essa desvalorização se transforme em inflação, destruindo todo o esforço que foi feito para reduzi-la nos últimos anos", explica Francisco Monaldi.
Os economistas estimam que a desvalorização se acentuará uma vez que a saída da Chevron e de outras petroleiras se concretize.
José Manuel Puente explica que, na Venezuela, não há coordenação entre a política monetária e a política fiscal, algo que muitos economistas consideram essencial para alcançar maior estabilidade macroeconômica. Além disso, o Banco Central da Venezuela possui reservas monetárias entre as mais baixas da América Latina.
"O banco central declara 10 bilhões, mas, na verdade, esse montante inclui pouco mais de 5 bilhões gerados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que não reconhece o governo de Nicolás Maduro e, portanto, a Venezuela não tem acesso real a esse dinheiro", acrescenta.
Isso significa que o governo venezuelano não possui dólares suficientes para intervir de maneira eficaz e consistente no mercado cambial para manter a taxa de câmbio o mais estável possível.
Isso leva à previsão de que a inflação venezuelana voltará a ser de três dígitos neste ano.
Esses fatores, somados à instabilidade política e econômica — sobretudo após a crise gerada pela última eleição presidencial —, acabaram com qualquer perspectiva econômica positiva, contrastando com as estimativas mais otimistas feitas no meio e no final do ano passado.
3. Sanções secundárias
Estilo mais duro de Trump gera incertezas e medo na Venezuela
Getty Images via BBC
Em meio ao desajuste econômico conjuntural da Venezuela, o país agora precisa lidar com a administração mais severa e imprevisível de Donald Trump.
O anúncio feito por ele no final de março, de que imporia tarifas secundárias sobre os bens dos países que comprarem petróleo da Venezuela, piorou ainda mais as perspectivas econômicas do país sul-americano.
O presidente especificou que, a partir de 2 de abril, os países que comprassem petróleo ou gás da Venezuela seriam obrigados a pagar uma tarifa de 25% sobre qualquer exportação que enviassem aos Estados Unidos.
Nos últimos anos, os principais compradores de petróleo venezuelano foram os Estados Unidos e a China, com Índia e Espanha na sequência, em menor escala.
O governo venezuelano classificou a medida como "arbitrária, ilegal e desesperada" e ameaçou tomar medidas legais contra o que considera uma violação das leis de comércio internacional.
Alguns especialistas afirmam que as sanções secundárias aplicadas a países como Rússia e Irã não foram totalmente eficazes, mas ainda assim causam muitos danos.
"Isso vai ter um grande impacto nas receitas do setor petrolífero, como já se experimentou no passado", explica José Manuel Puente.
"Os países que aceitarem comprar petróleo da Venezuela o farão com um grande desconto, e esse desconto dependerá da tarifa que Donald Trump aplicar", prossegue.
O economista Francisco Monaldi sugere ainda que a China pode simplesmente deixar de comprar petróleo venezuelano e buscar outras fontes, já que as importações de petróleo da Venezuela são muito menos relevantes do que as exportações chinesas para os Estados Unidos.
4. Queda no preço do petróleo
Preço do petróleo tem grande efeito na economia venezuelana
Getty Images via BBC
No início de abril deste ano, o preço do petróleo Brent — referência internacional — despencou mais de 20% em apenas uma semana.
Isso fez com que os preços do petróleo atingissem seu nível mais baixo em quatro anos.
Desde então, os valores se recuperaram parcialmente e giram em torno de US$ 66 (R$ 375) por barril, após terem caído para menos de US$ 60 (R$ 341).
Acredita-se que essa queda abrupta esteja relacionada, em parte, à intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que tem gerado preocupações quanto à demanda por matérias-primas.
Como consequência, os preços das commodities estão sendo afetados.
Essa notícia é particularmente negativa para países exportadores de petróleo, como a Venezuela, pois é provável que percam uma parte significativa de suas receitas em divisas.
E as previsões futuras também não são animadoras.
O banco de investimentos Goldman Sachs projeta que os preços do petróleo continuarão caindo até o fim deste ano e ao longo de 2026, devido ao aumento do risco de recessão e ao crescimento da oferta do grupo OPEP+, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
O banco espera que os preços do Brent e do tipo WTI diminuam levemente, com médias de US$ 63 e US$ 59 por barril, respectivamente, durante o restante de 2025, e de US$ 58 e US$ 55 em 2026.
"Haverá um impacto, mas ainda não se sabe se será brutal. Ao combinar a desvalorização do petróleo venezuelano por conta dos descontos que sofrerá, o cancelamento das licenças e o colapso dos preços, é evidente que o governo terá receitas muito menores e que haverá mais escassez de dólares", explica Monaldi.
Maduro junto à presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Caryslia Rodríguez, e sua esposa, Cilia Flores.
Getty Images via BBC
José Manuel Puente explica que, há tempos, o futuro da economia venezuelana está extremamente atrelado à política do país e à "esperança que muitos tinham, ou ainda têm, de que haveria uma mudança de governo".
"Atualmente, na Venezuela, não há perspectivas de uma mudança política, e isso representa um peso extra para a economia venezuelana, tornando muito mais difícil que o país volte a ter um bom desempenho macroeconômico."
"É necessário haver uma maior estabilidade política e um programa de estabilização macroeconômica com medidas clássicas de política fiscal, cambial e monetária, para gerar um crescimento sustentado e controlar a inflação, levando-a a um dígito, como na maioria dos países latino-americanos."
"Mas, sem uma mudança política, é difícil que essas metas sejam alcançadas", conclui.